Aqui jaz um amor


I wrote two hundred letters I will never send
Sometimes these cuts are so much deeper that they seem
You'd rather cover up I'd rather let them bleed
E eu escrevi duzentas cartas que eu jamais vou enviar
Às vezes esses cortes são muito mais profundos do que parecem
Você prefere cobrí-los, eu prefiro deixá-los sangrar

Você sempre achou graça das minhas manias bobas. Achava graça dos meus pôsteres colados nas paredes do meu quarto, da minha risada tímida, do meu medo de baratas voadoras, da ausência de vestidos no meu guarda-roupa e do meu medo de me prender, de ser permanente. Muita coisa mudou desde o dia em que fui embora e é uma pena que você não saiba disso. Você não sabe que troquei os pôsteres do meu quarto por fotografias, nem que a minha risada agora é alta e que eu já matei muitas baratas voadoras. Você também não sabe que, hoje, o meu guarda-roupa é lotado de vestidos de renda, de babados e afins. Cortei o cabelo e comecei a escrever, acho que isso você sabe graças as redes sociais. Meu abraço ficou mais apertado, minhas mãos mais bobas e meus sorrisos mais sinceros. Meu amor ficou mais faminto e minha sede de vida só se fez crescer. Ainda sou muito boa de garfo, péssima para piadas e ainda tenho aquele colar de coração. Mas pelo visto eu não fui a única que mudou.

Você também. Suas piadas ficaram sem graça, suas ofensas mais dolorosas e você tornou-se indiferente. Cortou o cabelo, colocou um brinco e substituiu o whisky pela cerveja. Jogou fora seus cadernos de poesias e desenhos, e junto as nossas fotos. Sabe, você iria adorar os meus vestidos... Mas a gente mudou tanto, né? Meu sorvete preferido não é mais o de flocos, meu perfume não é mais doce e meu sorriso não é mais de graça. É uma pena que você não saiba que agora eu tenho uma caixinha lotada de fones de ouvido, porque eu quebro um por semana. É uma pena que a gente não se conheça mais, depois de tanto tempo. É uma pena que você ainda não entenda essa minha necessidade de mundo, de gente, de coisas novas. Eu sempre quis tanto dessa vida, eu sempre quis muito tantas coisas, eu sempre quis o mundo inteiro. Mas disso você sabe bem, porque você ainda vê esse brilho nos meus olhos.

Você ainda vê o quanto eu gosto desse vento batendo no meu rosto, me mostrando que eu sou livre pra sonhar e, acima de tudo, realizar. Você vê, não vê? Eu tenho tantos sonhos para realizar que eu não posso simplesmente sentar aqui, na beiradinha dessa estrada, esperando você voltar. Eu sei que foi essa minha dificuldade em ser permanente que me fez te perder, mas eu sou assim e isso nunca mudou e acho que nunca vai mudar. Eu sempre tive um certo medo de amar e ser amada. O amor é lindo, na nossa cabeça. Mas quando ele acontece, é um pouco assustador e um tanto avassalador. Não há controle nenhum sobre esse sentimento e isso me assusta. É uma pena todo esse tempo que a gente perdeu longe e todos os vestidos que eu uso e você não vê. É uma pena saber que a gente pode se ver qualquer dia desses e não se reconhecer. É claro que vai haver fogo por dentro, queimando em brasa os nossos corações, em nome das memórias guardadas. Mas, ainda assim, não serão mais aquela garota do sorriso tímido e aquele garoto metido a poeta, frente a frente. Agora a metida a poeta sou eu.

Agora nós somos meros estranhos com rostos familiares. Talvez a gente nunca mais dê certo, porque algumas coisas realmente mudam (e mudam muito!) e a brasa que ainda resta acesa pode ser pela esperança de que aquele menino que conheci ainda exista. E talvez ele não exista... E por isso aqui estou, pela última vez, escrevendo para você. Como eu havia dito, tenho percebido muitas coisas esses dias e uma delas é que eu não vou voltar. Não vou voltar, porque arrependimento e saudade não traz ninguém de volta. Eu sempre acreditei que você fosse diferente de todos os outros que já passaram por mim, porque nenhum outro sentimento durou mais de uma semana. Eu estava enganada. Na verdade, você é como todos os outros. A única diferença é que você foi o que durou mais tempo. Agora estou aqui, liberta das correntes que me prendem a você e te deixando livre, de uma vez por todas. Estou aqui para colocar um ponto final nessa história cheia de altos e baixos, pois ela já estava nos fazendo sofrer. Eu prefiro guardar as lembranças boas para sempre do que ver a possessividade destruí-las.

Eu nem precisei matar esse amor, pois ele morreu sozinho, no momento em que eu não consiga mais encontrar algo recíproco entre nós. Hoje vejo como isso foi útil para que eu pudesse me lembrar da melhor parte do amor. Eu tirei as correntes e a armadura. Eu soltei a sua mão porque vou precisar ser inteira para seguir em frente. Muitas pessoas podem caminhar ao nosso lado, mas ninguém pode caminhar pela gente. Eu te desejo todas as coisas boas que a vida tem para lhe oferecer, porque você merece. Eu te desejo felicidade, em nome de tudo o que nós fomos e por quem eu me tornei depois de você: uma pessoa mais linda e mais feliz. Por todos os meus sonhos e por todo esse amor próprio que me fez enxergar as coisas como realmente são, eu te digo: Adeus.