A culpa é do chantili

Ontem fui sozinha ao shopping pela primeira vez. Eu poderia dizer que foi a primeira vez porque sou cheia de amigos e que nunca estou só, mas a verdade é que eu não gosto de estar só. Passei por aquelas portas automáticas torcendo para que elas não fechassem e eu ficasse presa entre elas (acredite, isso já aconteceu). Passado o pesadelo das portas, do qual saí ilesa, comecei minha busca por um banheiro: o único lugar ao qual vou sozinha e convenhamos, banheiros são todos iguais. Não tinha como algo dar errado.
O plano era simples: eu só precisava passar despercebida. Talvez eu entenda Mano Brown quando ele diz que “quem não é visto, não é lembrado” e, naquele momento, era isso que eu queria. Graças às placas direcionais, cheguei ao banheiro. Arrumei meu cabelo e tentei traçar um roteiro de quais lugares ir. A livraria sempre é uma boa escolha, um dos espaços que mais gosto, então fui para lá. Ignorei os livros de youtubers na sessão dos mais vendidos e segui direto para Literatura Brasileira. Tem sido cada dia mais difícil encontrar as obras de Clarice Lispector, mas como fã que sou, não desisti de procurar.
O tilintar de copos desviou minha atenção e tentei olhar a cafeteria, ficando na ponta dos pés para enxergar por cima das prateleiras. Sempre achei aquele um ótimo lugar, com paredes de vidro através das quais é possível ver copas de algumas das milhares árvores que Maringá tem. Sem falar que café e livros são uma combinação perfeita, até para uma desastrada como eu. Como aquele era o dia das descobertas, tomei coragem e segui o som feito pelos copos se encostando. Conforme me aproximava, começava a ouvir conversas também. Paralisei. Eu só conseguia pensar no quão constrangida ficaria se tomasse café ali, sozinha. Dei meia volta contornando a prateleira de bíblias, enquanto rezava para sair o mais rápido possível dali.
Ainda sem pensar muito bem, corri para a escada rolante. Só quando cheguei ao topo é que percebi o quanto sou péssima com raciocínio rápido. Acabei na praça de alimentação que, como sempre, estava lotada. Entre casais apaixonados (cujo amor supera tudo, até ver o outro com a cara lambuzada de molho), pais brigando com seus filhos que não param quietos nas cadeiras e adolescentes com seus lanches do McDonald’s ou Burger King, avistei uma pessoa sozinha em uma mesa. Ela estava distante, na parte mais vazia daquele lugar infernal, em uma cafeteria. Como eu teria alguém para dividir os olhares de espanto e desconfiança dos outros, resolvi me juntar a ela.
Pedi um cappuccino, uma água sem gás e achei um absurdo pagar QUATRO REAIS naquela garrafinha. Enquanto aguardava meu pedido, me sentei e peguei o celular para enviar uma mensagem: “Estou no McCafé. As coisas na livraria foram um desastre. Te espero aqui e, por favor, vem logo”. Ok, talvez não tenha sido exatamente assim que escrevi, mas o tom de desespero com certeza era o mesmo. Terminei de digitar a mensagem e, quando vi, estava sozinha. A pessoa que me deu coragem para ir até aquele lugar esperou uma distração minha para me deixar ali. Talvez ela nunca saiba o quanto me deixou desapontada, mas fica aqui o recado (que ela talvez nunca leia): Isso não se faz. Eu esperava mais de você.
Com um cappuccino e uma água cara fiquei ali, pensando no quanto podemos nos tornar dependentes dos outros e como isso nos faz esquecer que, no fundo, nós é que somos a nossa principal companhia. Decidi focar no tanto de chantili que colocaram na minha bebida e pensar de que maneira eu poderia comer aquilo sem me sujar toda. Não consegui e ri sozinha toda vez que meu nariz encostava naquele creme gelado. Depois de vencer toda a dificuldade que é provar uma bebida elaborada, tirei meus olhos da xícara e vi quem eu estava esperando chegar. Foi então que entendi que não tem problema nenhum estarmos só, muito menos gostarmos disso. Porém, existem pessoas que conseguem melhorar todos os momentos, e ele só precisou chegar para me mostrar que com certeza é uma delas.