Sentimentos (es)tragados


Eu costumo dizer que ele é incrível, mas não me pergunte como sei. É que ele gosta tanto de mistérios que optou por ser um e não falar de si. Apesar disso (ou por isso) ele ganhou minha atenção. Conseguiu feitos que "em todos esses anos, nessa indústria vital", não haviam conseguido antes. Em menos de 24 horas me convenceu a sair com ele. O histórico que eu tinha? Signo e quais são os artistas que ele mais gosta. O tipo de informação que eu (e talvez só eu mesma) considero mais importante que qualquer outra.
Andamos por algumas quadras até decidirmos por um bar com mesas na calçada, para que pudéssemos fumar. Pedimos cervejas e começamos a conversar. Com poucas perguntas, um olhar intimidador e um pouquinho de insistência, ele conseguiu tirar informações importantíssimas sobre mim. Aquilo parecia tão interessante e desafiador para ele que, horas depois, nem havia perguntas, apenas eu falando. Vulnerável. Exposta. Sem notar o risco que corria ao entregar de bandeja a um desconhecido toda minha intensidade. Logo percebi que estava em desvantagem. Fui àquele bar achando que seria como todas as outras vezes: um pouco de qualquer bebida com álcool, um pouco de conversa superficial e logo já estaríamos nos beijando. Costumava ser mais fácil, mas confesso que, no fundo, eu ficaria decepcionada se ele fosse como todos os outros caras.
Conversamos por horas. Foram muitas cervejas, cigarros, olhares, mas nenhum contato. Nas poucas vezes em que ele falava sobre a própria vida, logo virava o jogo. O assunto sempre terminava sendo eu. Fiquei bêbada a ponto de não conseguir pensar bem antes de falar, mas sei que o tempo todo planejei formas de matá-lo, para garantir que meus segredos estariam protegidos. Até que ele veio mais perto e me beijou. Minha memória é péssima e eu não costumo lembrar de muita coisa, mas daquele beijo eu lembro...
E depois de alguns outros beijos e segredos revelados (meus, óbvio!), nos despedimos, prometendo um ao outro que íamos “nos falando”. Claro que me despedi com a sensação que era um "último olhar", como o Drew fala em Elizabethtown. Não só por já conhecer bem a cronologia dos relacionamentos modernos, em que as pessoas ficam, vão se afastando e acabam como estranhas, mas também por ele ter mostrado que não é desses que se envolve. Mas parece que esse cara chegou só para refutar todas as minhas verdades absolutas... Contrariando minha teoria baseada em Elizabethtown e irresponsabilidade afetiva, ele se manteve por perto. O fato de eu ter ficado completamente vulnerável depois de alguns copos de cerveja parece não ter assustado aquele cara cheio de segredos, histórias, piadas ruins e livros. Na verdade, ele nem parecia ser do tipo que se assusta fácil e some. Tanto que os encontros se repetiram muitas outras vezes, assim como minha vontade de encontrá-lo. (eu e meu problema de não entender essa gente que prefere fingir desinteresse e desapego, quando é tão mais fácil se agarrar ao que faz bem, para não correr o risco de perder...)
Aos poucos fui descobrindo a capacidade que ele tem de fazer com que todos os momentos que passamos juntos sejam memoráveis, e olha que eu nem costumo lembrar... Fato é que não sei direito o que ele faz comigo, mas ele faz bem. Tanto que foi com ele, o canceriano, que tive a transa mais incrível da minha vida, em um lugar onde nunca imaginei que pudesse ir e ter um orgasmo tão intenso. Foi ele, o cara que curte Roberto Carlos e The Strokes, que me provou que o mistério pode ser mais excitante do que aterrorizante.
E ainda tem sido ele: o cara enigmático pelo qual eu não posso me apaixonar. Ele não sabe e talvez nunca fique sabendo, mas é nisso que eu penso todas as vezes que estamos juntos. Enquanto ele me beija, fico tentando listar os motivos que tenho para não me apaixonar, então percebo que só tenho um: ele pediu para eu não fazer isso. Ele não sabe, mas todas as vezes que fico quieta quando terminamos de transar, é por que penso quanto tempo mais vou conseguir fazer isso, controlar minha vontade de beijá-lo e dizer que se eu tivesse que fazer sexo só com ele daqui pra frente, já estaria satisfeita . Ele não sabe que toda vez que nos despedimos, minha vontade é dizer "Obrigada pela noite incrível, meu amor", ao invés do frio e impessoal "até mais" com o qual sempre encerro nossos encontros. Ele pode até saber muito sobre mim, mas não tudo. Ele não sabe que espanto meus pensamentos, reprimo minhas vontades e ignoro meus sentimentos quando estou com ele. Ele não sabe e talvez nunca vá saber, mas pelo menos posso dizer que, assim como ele, também tenho meus mistérios...